Simonton, a “Imprensa Evangélica” e seus nobres ideais – Parte 3

Temores e alternativas

O primeiro  número  da Imprensa, com a tiragem de 400[1] ou 450 exemplares,[2]  foi  impresso  na Typographia Universal de Laemmert.[3] Todavia, devido  a  ameaças sofridas pelos editores, eles se negaram  a  imprimir  o número seguinte da Imprensa, “temendo que sua tipografia   fosse  atacada  pelo  populacho  açulado  pelos  padres”.[4]

           

Tipografia Perseverança

O 2º número da Imprensa, de 19/11/1864, foi impresso na Typographia Perseverança, localizada à rua do Hospício, 99[5] (Atual Buenos Aires). O jornal permaneceu.

Aqui julgo necessário fazer uma digressão.

A primeira vez que me deparei com esse assunto, faz uns 35 anos quando preparava uma palestra para minha igreja sobre os “Primórdios do Protestantismo no Brasil”. Algo que me intrigou, foi o porquê  de uma tipografia presumivelmente pequena (pelo menos,  bem menor do que a Laemmert), se atrever a publicar a Imprensa Evangélica,  sabendo das pressões católicas. Dinheiro? Isso  não  parecia ser essencial no caso, visto que a tiragem do  jornal  era  pequena e, mesmo assim, sabia-se que não era  bom negócio comprar uma briga com  parte do clero por causa de alguns réis.

Pude então verificar que a Tipografia Perseverança tinha relações comerciais com a Maçonaria. À época, somente a Maçonaria,  ousaria desafiar a Igreja Católica Romana. A Tipografia  Perseverança  fora fundada em 1863, um ano antes da publicação  da  Imprensa, tendo como proprietário, Antonio Maria Coelho da Rocha,[6] sendo administrada  por   Antonio   Joaquim  Pereira  dos  Santos.[7]

Ao longo dos anos a Tipografia foi  mudando  de  donos e de sócios, sendo, por exemplo, em 1884, um   dos   sócios,   José    Antonio   dos  Santos  Cardoso (1813-1885),  que era seu gerente e  administrador.  Cardoso fora  um dos proprietários do Correio Mercantil (1866-1867)  e também,  um  dos redatores do Almanak  Laemmert.[8]

O que vem realçar as ótimas relações da  Maçonaria  com  a  Tipografia Perseverança é o fato de que, ainda que em 1872 a Maçonaria possuísse duas tipografias –  Typographia  do  Grande  Oriente do  BrazilTypographia  do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil -,  as  lojas  maçônicas “não tiveram tipografia própria, apesar  de  usarem  os títulos acima, pois, suas obras eram impressas  nas  tipografias  de   Leuzinger,[9]  Perseverança  e F. Alves de Souza”, informa Berger (1922-2003).[10]

Corroborando pelo menos um ideário com pontos semelhantes da Tipografia Perseverança  com  a Maçonaria (Republicanismo, antiescravagista, abolicionista, liberdade religiosa, separação entre Igreja e Estado), observamos que ela publicou uma  série  de  artigos do Grão Mestre da Maçonaria Joaquim  Saldanha Marinho (1874-1876).[11]

A Tipografia Perseverança publicaria também, em 1867 a Sentença de Excomunhão e Sua Resposta,  do Padre José Manoel da Conceição, então convertido ao Protestantismo.[12]

Retornado à Impressa, pontuo que o Relatório ao Presbitério do Rio de Janeiro em agosto de 1868, diz o Rev. Schneider (1832-1910):

A Imprensa Evangélica tem sido publicada sem interrupção alguma duas vezes cada mês durante o ano inteiro e embora seja impossível dizer que tenhamos conseguido bons resultados, quantos almejamos, contudo somos de opinião de não serem inúteis os trabalhos que com ela tivemos.[13]

A partir  do  nº de 03/01/1878, a Imprensa  passou a ser publicada  semanalmente, conforme anunciara a edição de 01/12/1877, p. 191.

Em  09/10/1879,  temos  novas mudanças: a redação do jornal transferiu-se  para São Paulo (edição de nº 41, ano 15), passando a ser  impresso  na  Typographia da “Tribuna Liberal”, Rua de São Bento,  34, que, fazendo jus ao seu nome, publicava concomitantemente o jornal da Diocese de São Paulo, Monitor Catholico (1879).[14]

Dez anos depois, em 05/10/1889, a sua redação retornou  ao  Rio de Janeiro (edição de nº 40, ano 25), sendo impresso na  Typographia  Itália,  Rua d’Alfandega, 142. Todavia. este retorno  não  durou  muito  tempo. A partir da edição de 25/04/1891 (nº  17,  ano  27),  a Imprensa  voltou a ter a sua redação em São Paulo,  saindo  ainda  este  número  pela Typographia Itália e, a partir  de  02/05/1891, passou de fato a ser impresso na Typographia  de Vanorden & Cia.,[15] em São Paulo, a qual fora inaugurada no dia  29/09/1888.

Em  São Paulo, a Imprensa  passou a ser gerenciada  por  J.A.  Corrêa.  Em setembro de 1891, a Imprensa  foi doada ao Sínodo.[16]

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1] Boanerges Ribeiro, José Manoel da Conceição e a Reforma Evangélica, p. 43.

[2]Boanerges  Ribeiro, Protestantismo e Cultura Brasileira, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981, p. 97.

[3]O casal de missionários Dr. Robert Reid Kalley (1809-1888), médico e pastor escocês, e sua esposa, Srª Sarah Poulton Kalley (1825-1907), que  desembarcou no Rio de Janeiro no dia 10/05/1855, proveniente da Inglaterra, editou em 1861 um hinário com 50 hinos – sendo 18 salmos e 32 hinos –, intitulado, “Psalmos e Hinos para o Uso Daquelles que Amão A Nosso Senhor Jesus Cristo”. Essa obra foi impressa na Typograhia Universal Laemmert.

Essa  Tipografia, localizada  à  rua dos Inválidos, nº 71, pertencia  aos  protestantes  Eduard  Laemmert  (1806 -1880) e  Heinrich Laemmert (1812-1884), filhos do pastor protestante Guilherme Frederico Laemmert, que  organizaram  sua  tipografia em 2/1/1838, a qual  tornou-se  no  século XIX, a segunda maior e mais importante  gráfica do Rio de Janeiro (visitada inclusive por D.  Pedro  II em 9/7/1862), perdendo apenas para a Garnier, que se estabelecera no Rio de Janeiro em 1844. (Veja-se: Laurence  Hallewell, O  Livro no Brasil: sua história, São Paulo: T.A. Queiroz, Editor; Editora  da Universidade de São Paulo, 1985, p. 127-156).

Para  se ter uma ideia da sua importância, no começo da década  de 1860, com menos de trinta anos de fundação, ela já havia  produzido 400 títulos de livros. Lembremo-nos de que em  1863, o Rio de Janeiro, Capital do Império, só dispunha de  17  livrarias (Laurence  Hallewell, O  Livro no Brasil: sua história, São Paulo: T.A. Queiroz, Editor; Editora  da Universidade de São Paulo, 1985, p. 47) e, em 1868, 29 livrarias (Almanak  Laemmert, 1869, p. 544). Em 1883, por exemplo, a Garnier  Fréres era responsável por quase a metade dos títulos publicados  no Rio de Janeiro e, a Laemmert, por mais de um terço.  (Veja-se: Laurence  Hallewell, O Livro no Brasil: sua história, p. 160ss.).

A ligação de pelo menos um  dos  sócios  da Laemmert com os Presbiterianos, verifica-se  por meio  do fato de que H. Laemmert, foi um dos muitos  estrangeiros e brasileiros que fizeram subscrições para  financiar  a  construção do templo Presbiteriano no Rio de  Janeiro, inaugurado  em 29/03/1874. (Veja-se: David  G.  Vieira, O Protestantismo, A Maçonaria e A Questão  Religiosa no Brasil, p.  289-290). Veja-se a carta de H. Laemmert escrita em 09/11/1857 a Conceição, transcrita in: Boanerges Ribeiro, José Manoel da Conceição e a Reforma Evangélica, p. 28-30. Nessa carta, transparece de forma evidente o seu espírito cristão.

[4]O  Estandarte, Jubileu do Presbyterianismo no Brasil, 1912, nºs 1 e 2; 4 e 11/01/1912, p. 5. (Veja-se: Boanerges  Ribeiro, Protestantismo e Cultura Brasileira, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981,  p. 97).

[5] A partir do nº 15 de 03/06/1865, p. 8, da Imprensa Evangélica, o endereço da gráfica é apresentado como sendo à Rua do Hospício, 91. Ela mudou de edifício. Em 1875 a rua foi renumerada, recebendo, então, a gráfica, o nº 85 (Vejam-se: Imprensa Evangélica, 03/06/1865, p. 8; Paulo Berger, A Tipografia no Rio de Janeiro – Impressores Bibliográficos 1808-1900, Rio de Janeiro: Cia. Industrial de Papel Pirahy, 1984, p. 111).

[6]Almanak  Laemmert, 1869, p. 708;  Paulo Berger,  A Tipografia no Rio de Janeiro – Impressores  Bibliográficos  1808-1900, Rio  de Janeiro: Cia. Industrial  de  Papel   Pirahy,  1984. p. 111. O Sr, Rocha Miranda, ao que parece, era um sujeito que gostava de sátiras provocativas, no dia 8 de setembro de 1867, publicou o periódico semanal, Heráclito, que se autointitula: “Jornal sisudo semanal”. No frontispício, abaixo desses dizeres, temos várias provações. Era, como se autodenomina, “espirituoso” (Heráclito, Rio de Janeiro, 22.12.1867, p. 3).Dizia: “Redatores principais – Nós três”. “Paga-se adiantado por causa dos calotes”. “Distribui-se depois de impresso”. “Grátis, aos assinantes”. O número 3 (21.09.1867), registra uma mudança da razão social. Agora: “Redatores principais – Nós três & Comp. Começa com uma nota: “Os proprietários deste jornal, desde o dia 16 do corrente, fica pertencendo à firma Nós Três e Comp., que toma a si  o ativo e o passivo da extinta firma Nós Três. O capital da empresa foi aumentado alguma coisita”, no nº 14 de 22.12.1867, o jornal passou a ser publicado às quintas-feiras.

Acredito que o nome atribuído ao periódico, que primou por suas ironias, foi uma pilhéria por antítese. Explico: Heráclito de Éfeso (c. 540-480 a.C.), foi um filósofo pré-socrático, do qual temos apenas fragmentos de seu pensamento. Cria que tudo está em movimento constante. Acredita que todas as coisas provêm do fogo – que é eterno – e para lá retornarão (Frags., 30,31,90, Dox., 2).

Muito de sua vida permanece em mistério, contribuindo para isso o fato dele ter levado uma vida reclusa bem como o seu temperamento “altivo”, que granjeou-lhe muitos inimigos, os quais inventaram histórias, que me parecem em tom anedótico, visando fazê-lo passar por ridículo. Entre elas, consta que ele se recusou a fazer leis para os efésios, optando por se divertir, brincar com as crianças no templo de Ártemis (Diana).(Diôgenes Laêrtios, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, 2. ed. Brasília, DF.: Editora da Universidade de Brasília, 1977, IX.1-3).

Era proveniente de uma família de aristocratas – do rei ateniense Crodos e do seu filho Androclus, quem fundou Éfeso em cerca de 1050 a.C. –, tendo abdicado da “realeza” (basile/iaj) em favor do irmão. (Diôgenes Laêrtios, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, IX.6).

Tímon  de  Fliunte (320-230 a.C.),  autor satírico discípulo de Pirro de Élis (c. 360-270 a.C.)(Cf. Diôgenes Laêrtios, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, IX.69-70;  Eusebii Pamphili, Evangelicae Praeparacionis, Oxford: OUP.: 1903, Libri 15, T. 3, partes 1-2, 1903,  XIV.18.758c), o apelidou de  (ai)nikth/j):  “aquele  que  se exprime por enigmas” (Cf. Diôgenes Laêrtios, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, IX.6).  Provavelmente  esse  apelido esteja relacionado com o seu estilo   difícil,   que   mais  tarde  valeu-lhe  o  adjetivo  de (skoteino/j = “tenebroso”, “obscuro”, fig.: “difícil de entender”): “obscurus”   em  latim. (Cicero,  De  Finibus  Bonorum et Malorum, London; New York: William Heinemann; The Macmillan Co., 1914, II.5.15, p. 94).

Eusébio de Cesaréia (265-340), o denomina de “austero” (Eusebii Pamphili, Evangelicae Praeparacionis, Libri 15, T. 3, partes 1-2; XIV.5.729c). Quanto à visão caricata de Heráclito que ainda sobrevivia durante o período romano, veja-se: G.S. Kirk; J.E. Revan, Os Filósofos Pré-Socráticos, 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, p. 185).

Heráclito  resiste  a  qualquer  identificação  com escolas de pensamento;  ele “resistiu a qualquer catalogação” (Damião Berge, O  Logos Heraclítico: Introdução ao Estudo dos Fragmentos, Rio de Janeiro:  Instituto  Nacional  do  Livro, 1969, p. 51). Como a sua vida,  a  sua formação permanece envolta em mistérios, não se sabendo ao certo quais foram os seus mestres.

[7] Almanak Laemmert,  1864, p. 696.

[8]Veja-se:  P. Berger,  A Tipografia no Rio de Janeiro – Impressores  Bibliográficos  1808-1900, p. 113.

[9]Por algum motivo, que não me interessei em pesquisar, em 1886, A Gazeta de Notícias, desejou provar que a sua circulação era a maior do Império. A questão foi tratada por meio do experiente e respeitado juiz Bento Luís de Oliveira Lisboa (1836-1905), que nomeou dois peritos para fazer uma pesquisa minuciosa e elaborar um laudo: o suíço George Leuzinger (1813-1892) e Antônio Maria Coelho da Rocha (antigo proprietário da Tipografia Perseverança).  (Ver: Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 05.11.1886, p. 1). Isso indica o grau de respeitabilidade desses homens entre jornalistas e livreiros da época. (Sobre a contribuição de Leuzinger, veja-se: Laurence  Hallewell,  O  Livro no Brasil: sua história, p. 158-160). Depois de minha indução, deparei-me com os dizeres do Dr. Carlos Frederico Marques, proprietário da Gazeta Jurídica, em circular publicada no jornal catarinense, O Despertador, aludindo a Rocha  Miranda, como “ilustre proprietário da Tipografia Perseverança” e “pessoa que merece a maior confiança, e sem dúvida um dos mais respeitáveis editores desta Corte” (O Despertador, 24.12.1875, p. 1).

[10]P. Berger, A Tipografia no Rio de Janeiro – Impressores  Bibliográficos  1808-1900, p. 131.

[11]Cf. David  G. Vieira, O  Protestantismo,  A Maçonaria e A Questão  Religiosa no Brasil,  p. 288.

[12]José Manoel da Conceição, Sentença de Excomunhão e Sua Resposta,  Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1867.

[13] F.J.C. Relatório de Schneider apresentado ao Presbitério do Rio de Janeiro, 08/08/1868. In: Coleção Carvalhosa Relatórios Pastorais, 1866-1875

[14] Essa tipografia que mudou de endereço três vezes, durou de 1876-1881. Era de propriedade do  advogado, deputado e Ministro da Marinha, Bento Francisco de Paula Souza (1838-1908). (Vejam-se: https://labvisual.fau.usp.br/tipografiapaulistana/empresa/46https://atom.senado.leg.br/index.php/bento-francisco-de-paula-souza [Consultados em 21.08.2024]).  O Monitor Catholico, tinha como Diretor da Redação, o francês naturalizado brasileiro, Estevam Leão Bourroul (1856-1914), católico, monarquista que mantinha profunda aversão às reformas pombalinas. (Veja-se, por exemplo: O Monitor Catholico, São Paulo, 08.05.1882).

[15]Essa tipografia era de propriedade do missionário presbiteriano  holandês de descendência judaica,  Emmanuel Vanorden (1839-1917), que chegou ao Brasil em dezembro de 1872. (Cf.  David  G.  Vieira, O Protestantismo, A Maçonaria e A Questão  Religiosa no Brasil, p. 289; https://labvisual.fau.usp.br/tipografiapaulistana/empresa/131 [Consultado em 21.08.2024]).

[16]Vejam-se:  Imprensa Evangélica,  nº  18, 2/5/1891, p.1; Vicente T. Lessa, Annaes da 1ª Egreja Presbyteriana de  São  Paulo, São Paulo: Edição da 1ª Egreja Presbyteriana Independente, 1938, p. 371-372; Boanerges  Ribeiro,  Protestantismo e Cultura Brasileira, p. 97.

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