Os Presbíteros como homens de verdade escolhidos e capacitados por Deus

 A propósito do dia do Presbítero Presbiteriano 

Quando o sogro de Moisés o aconselha a nomear auxiliares para julgar o povo, sugere o critério: “Procura dentre o povo homens capazes (hayil) (pessoas hábeis, honradas e de bem), tementes  (yare’) a Deus, homens de verdade  (‘emeth) (fiel, digno de confiança), que aborreçam a avareza….” (Ex 18.21).

 

Homens tementes a Deus

Esses homens são qualificados de “homens de verdade”; ou seja: são honrados, íntegros, dignos de confiança. De passagem, podemos dizer que aqui temos um indicativo do significado de hombridade: ser fiel, digno de confiança.

Moisés preparando o povo para entrar na Terra Prometida incumbiu aos sacerdotes de organizarem a Festa dos Tabernáculos, uma das três solenidades obrigatórias a todos os judeus.[1] Nesta solenidade o povo apresentava ofertas a Deus como reconhecimento de suas bênçãos (Dt 16.17):[2]

Quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel.12 Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam  (yare’) o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei; 13 para que seus filhos que não a souberem ouçam e aprendam a temer  (yare’) o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir. (Dt 31.11-13).

O temor do Senhor – o senso de sua grandeza e majestade – deve estar diante de nós, de nossos pensamentos, desejos, projetos e atitudes. Este deve ser o princípio orientador de nossa vida.

Calvino faz uma analogia pertinente e esclarecedora:

Visto que os olhos são, por assim dizer, os guias e condutores do homem nesta vida, e por sua influência os demais sentidos se movem de um lado para o outro, portanto dizer que os homens têm o temor de Deus diante de seus olhos significa que ele regula suas vidas e, exibindo-se-lhes de todos os lados para onde se volvam, serve de freio a restringir seus apetites e paixões.[3]

 

Santidade e Misericórdia de Deus

A educação bíblica é magnificamente completa, envolvendo o ensino sobre a santidade e a misericórdia de Deus. Mostra-nos o Deus absoluto e, o quanto carecemos dele.

Portanto, biblicamente, devemos caminhar dentro desta perspectiva: Deus é santo/majestoso, isto nos leva a reverenciá-lo com santo temor. Mas também, Deus é misericordioso, portanto, devemos amá-lo com toda a intensidade de nossa existência. A santidade nos fala de sua justiça. A misericórdia nos conduz a refletir sobre o seu incomensurável amor que fez com que Ele se desse a conhecer, consumando a sua revelação em Jesus Cristo, o Deus encarnado (Hb 1.1-4).

A eliminação de uma dessas duas percepções do ser de Deus nos conduziria a uma compreensão equivocada de quem é Deus e, consequentemente de nosso relacionamento com Ele. Uma teologia equivocada promove uma fé distorcida que termina por se frustrar em suas próprias expectativas estranhas às promessas de Deus. A genuína vida cristã parte sempre de uma compreensão adequada do Deus infinito e pessoal; o Deus que se revela.

O nosso amor a Deus começa pelo conhecimento de sua majestade. Downs enfatiza corretamente: “O amor por Deus deve estar enraizado apropriadamente no solo de nosso temor de Deus”.[4] Portanto, devemos não simplesmente temer o castigo de Deus, antes temer pecar contra Deus, o nosso Santo e Majestoso Senhor.

O salmista Davi depois de grande prova e livramento, escreve: “Vinde, filhos, e escutai-me; eu vos ensinarei  (lâmad)[5] o temor  (yir’ah) do SENHOR” (Sl 34.11). Restaurado por Deus após ter pecado, confessado e se arrependido, Davi propõe-se a ensinar o caminho de Deus: “Então, ensinarei  (lâmad) aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores se converterão a ti” (Sl 51.13).

O ensino sobre Deus, envolve, portanto, a sua justiça e misericórdia perdoadora.

 

O temor a Deus como essencial         

O temor de Deus é algo essencial à vida cristã. A Palavra nos mostra em diversas passagens como este temor longe de ser algo que nos afaste de Deus  causando uma ansiedade paralisante,[6] é resultado do conhecimento de Deus, do seu amor, bondade, misericórdia, santidade, justiça e glória.[7] O temor do Senhor é uma relação de graça por meio da qual podemos conhecer a Deus, nos relacionar com Ele tendo alegria e gratidão por temê-lo. O amor como compromisso nos estimula a servir a Deus em alegre obediência. “A graça e o favor de Deus não abolem a solenidade do trato”, comenta Mundle.[8] O nosso santo temor a Deus se manifesta em amor obediente.[9]

O temor de Deus envolve o senso de nossa pequenez e da sua maravilhosa graça. O temor de Deus é um encantamento com a sua majestade e a consciência de nosso pecado e carência de sua misericórdia. Aliás, o Senhor é quem nos ensina a temê-lo e reverenciá-lo. Estou convencido que o temor de Deus é um aprendizado de amor que se manifesta em admiração, obediência e culto[10] tendo implicações em todas as áreas de nossa vida. Temer a Deus deve ser o princípio orientador de nossa vida e decisões. Temer a Deus é graça! Por isso, como veremos, são bem-aventurados aqueles que temem ao Senhor. Analisemos agora alguns aspectos deste assunto tão fascinante.

Após o retorno do cativeiro babilônio, quando Neemias explica a nomeação de Hananias para supervisionar a segurança da cidade de Jerusalém, ele apresenta o critério do qual se valeu:

Ora, uma vez reedificado o muro e assentadas as portas, estabelecidos os porteiros, os cantores e os levitas, 2 eu nomeei Hanani, meu irmão, e Hananias, maioral do castelo, sobre Jerusalém. Hananias era homem fiel (‘emeth) (verdadeiro, digno de confiança) e temente  (yare’) a Deus, mais do que muitos outros (Ne 7.1-2).

Creio que esse princípio geral deve reger a eleição de nossos líderes da igreja, especialmente os presbíteros e diáconos.

 

O Senhor vocaciona e confere autoridade

É somente pela vocação divina que os ministros da Igreja se tornam legalmente efetivados. Quem quer que se apresente sem ser convidado, seja qual for a erudição ou eloquência que o mesmo possua, esse não recebe autoridade alguma, porquanto não veio da parte de Deus. −João Calvino.[11]

Quando escolhemos os líderes de nossa igreja, estamos simplesmente reconhecendo o chamado e dos dons do Senhor. − Timothy Keller.[12]

Seja qual for a autoridade que eu possa ter como pregador, não é resultado de qualquer decisão da minha parte. Foi a mão de Deus que me tomou, me tirou e me separou para esta obra. Sou o que sou pela graça de Deus; e a Ele dou toda a glória − D.M. Lloyd-Jones.[13]

Uma das formas pelas quais Deus se vale para cuidar de sua Igreja, é vocacionando e habilitando seus servos para, por meio deles, alimentar e cuidar de seu rebanho.

Deus como Sumo Pastor de suas ovelhas (Hb 13.20; 1Pe 2.25; 5.4), vocaciona e prepara seus pastores auxiliares para a condução de seu povo. É o Espírito, em sua vocação,  quem legitima a existência da presbíteros no Novo Testamento (At 20.28).

Calvino comentando Is 48.16 − Chegai-vos a mim e ouvi isto: não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que isso vem acontecendo, tenho estado lá. Agora, o SENHOR Deus me enviou a mim e o seu Espírito” −, escreve:

À luz desta passagem, aprendemos também que os que não possuem esta diretriz do Espírito, muito embora se gabem de haver sido enviados por Deus, devem ser rejeitados; tais como aquelas catervas papais de lobos que se gloriam no título de pastores e professores, e impudentemente se gabam de sua missão, muito embora sejam totalmente opostos ao Espírito de Deus e à Sua doutrina. Em vão se gabam de haverem sido enviados ou autorizados por Deus, quando não se acham adornados com os dons do Espírito, os quais são necessários para a execução de tal ofício. Pretextar possuir a inspiração do Espírito, enquanto são inteiramente destituídos de fé, e não possuir sequer a mínima fagulha de doutrina é excessivamente nauseante. Suponhamos uma assembleia de bispos mitrados, cuja maioria seja notória por sua ignorância, e entre trezentos dos quais raramente se achará dez que possuam moderada participação nos rudimentos da piedade; que poderia ser mais néscio do que tal assembleia gabar-se de ser governada por “o Espírito”?[14]

Da mesma forma, estudando Is 61.1 − “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados” −, comenta:

O Profeta não reivindica para si mesmo o direito e autoridade para ensinar, antes de mostrar que o Senhor “o enviou”. A autoridade se baseia em ele ter sido “ungido”, isto é, equipado por Deus com os dons necessários. Não devemos ouvi-lo, portanto, como um indivíduo particular, mas como um ministro público que veio do céu.[15]

 

Vocação para o serviço

Portanto, a vocação ministerial é para o serviço, não para o domínio (1Pe 5.1-2). E mais: o poder eficiente de toda vocação é de Deus, quem chama e preserva. Lucas descreve de forma sucinta e reverente a vocação do Apóstolo Paulo e a comissão de Ananias:

15 Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; 16 pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. 17 Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos, dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. (At 9.15-17).

Mais tarde, Paulo pôde escrever a Timóteo: “Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério” (1Tm 1.12). Reconhecendo que a sua fidelidade era resultado direto da misericórdia de Deus que o capacitou (1Co 7.25).[16]

No seu chamado, Paulo reconhecia a autoridade apostólica conferida pelo Senhor para a edificação da Igreja: “Porque, se eu me gloriar um pouco mais a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação e não para destruição vossa, não me envergonharei” (2Co 10.8/2Co 13.10;1Co 5.1-5).

Calvino acentuou a responsabilidade do presbítero. Entende que Deus se dignou em consagrar a si mesmo “as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar própria voz”.[17] Deste modo, os presbíteros não estão a seu próprio serviço, mas de Cristo; “são ministros de Cristo que servem à sua igreja”.[18] A igreja é a razão da existência desses ofícios (1Co 3.22; Ef 4.12). Eles buscam discípulos para Cristo, não seguidores para suas ideias e concepções pessoais.

Paulo, Pedro, João e Judas, como os demais apóstolos, em maior ou menor proporção, tiveram uma experiência profunda e inigualável com o Senhor Jesus. Foram chamados por Ele mesmo e, com exceção de Paulo, andaram com o Senhor em sua encarnação. No entanto, esses homens não alegavam terem superpoderes ou uma fé especial. Antes, reconheciam-se como alcançados pela mesma graça perdoadora. Por isso, dirigem-se aos demais cristãos como irmãos, reconhecendo a mesma fonte genética: o sangue de Cristo. (Rm 12.1; 1Tm 1.12-16; Tt 1.4; 1Pe 5-1.3; 2Pe 1.1; 1Jo 1.1-3; Jd 3).

É preciso que tenhamos esta consciência derivada do ensino bíblico. Deus é o Senhor da Igreja. É Ele quem constitui seus oficiais.

Deus manifesta a sua vontade por intermédio da eleição realizada pela assembleia da igreja conforme a sua forma de governo derivada das Escrituras. Deus sabe sempre o que é melhor para a sua Igreja ainda que nem sempre tenhamos a visão imediata do seu propósito, o que, diga-se de passagem, é mais do que natural.

É Deus mesmo quem na condução de sua Igreja utiliza-se de seus servos a quem   escolhe e chama, sendo a Igreja o instrumento de Deus para a execução de parte desse processo.

 

Senso de privilégio e responsabilidade

Paulo em viagem para Jerusalém, pretendendo chegar em Roma, convoca os presbíteros de Éfeso para se reunirem com ele em Mileto. Narra Lucas:

 18E, quando se encontraram com ele, disse-lhes: Vós bem sabeis como foi que me conduzi entre vós em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, 19servindo ao Senhor com toda a humildade, lágrimas e provações que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram, (…) 28 Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.18,19,28).

Em geral todo privilégio traz responsabilidades. Se quisermos começar pela outra ponta, podemos também dizer que toda responsabilidade envolve privilégios. A questão é por qual lado olhamos a realidade. Em geral costumamos destacar um ponto conforme o nosso grau de simpatia, por vezes circunstancial (Quando estou muito entusiasmado com algo, por exemplo) ou, pela intensidade da inconveniência que, também pode ser circunstancial. Assim, podemos dizer com tons diferentes: “São só cinquenta minutos” ou, “foram os cinquenta minutos mais longos de minha vida”. O “somente!” pode se transformar em “isso tudo?”. A recíproca também é verdadeira.

Servir ao Senhor em nossas múltiplas atividades é sempre um privilégio. Servi-lo como ministro é um privilégio gracioso (Ef 3.8). Contudo, não nos iludamos com isso.  Servir a Deus com integridade também traz consigo o ônus próprio (1Co 9.16).

A igreja não foi instituída por causa de nossa vocação e trabalho, a fim de atender uma demanda, como um bairro que cria uma praça com brinquedos com o objetivo de atenuar determinada carência de lazer em uma região populosa e com poucos recursos. Antes, nós fomos chamados para servir a Deus por meio da igreja. De outro modo, nós existimos para o bem da igreja. O povo que nos foi confiado pertence a Deus que é o Senhor da Igreja (1Pe 5.3).[19] Não há como servir positivamente à igreja sem nos tornarmos servos da sua Palavra. Essa fidelidade prazerosa proporciona frutos magníficos para a igreja porque Deus é misericordioso nos chamando, equipando e abençoando o nosso, por vezes, rude e frágil trabalho.

 

Serviço ao Senhor

O aspecto preponderante em nossa vocação, é que servimos ao Senhor. Isto é incomensuravelmente mais relevante do que qualquer outro estímulo ou motivação por cargos, ricas congregações, títulos ou honras humanas e reconhecimentos que possamos cultivar. A grandeza de nosso serviço está naquele a quem servimos. A integridade no que fazemos revela a seriedade com que contemplamos a Deus e a grandeza de poder conscientemente servi-lo.

A perda desta dimensão por parte do ministro gera internamente a necessidade de criar elementos supostamente agregadores ao ministério, tais como: títulos, honrarias e reconhecimentos a fim de supor que ele não é apenas presbítero, mas, é um presbítero diferenciado pelas suas funções, posição, importância, agenda e respeitabilidade entre seus pares, pela igreja e pela mídia.

Cada sistema de governo tem os seus próprios fascínios e, portanto, seus vícios e armadilhas. O ideal de servir pode se transformar, pelos apelos ardilosos de um sucesso fácil, em ideal de fama e poder. Nenhum ministro pode estar acima de sua igreja e, menos ainda acima de Cristo. Calvino, inspirando-se nas palavras e testemunho de João Batista, apresenta um princípio de grande sabedoria: “Todos quantos excedem, quer nos dons divinos quer em algum grau de honra, devem permanecer em sua própria condição: abaixo de Cristo”.[20]

Paradoxalmente, isso pode nos conduzir ao sentimento de autossuficiência ou de inveja dos que, aos nossos olhos são mais reconhecidos e requisitados.

A ambição, a inveja e o senso de ter sido injustiçado andam sempre juntos, ocasionando grandes dissabores para a igreja de Cristo.[21]

A orientação de Carson, parece-nos oportuna: “Regozije-se no serviço para o qual Deus o chamou e evite tanto a arrogância como a inveja”.[22]

A consciência de a quem estamos servindo, mostra-nos a essência do significado do nosso ofício, conferindo-nos a real dimensão de nosso trabalho no Reino de Deus.[23]

O desejo de servir deve caracterizar o nosso ofício na Igreja de Deus e no mundo de nosso Pai.[24]

Paulo tem diante de si de forma bastante clara o significado de seu chamado, tendo experimentado, inclusive entre os efésios, as tentações que lhe foram impostas pelos judeus em suas armadilhas constantemente preparadas.

Ainda que de forma ordinária nosso serviço seja prestado entre os homens e a homens, procurando ajudá-los; em última instância, servimos ao Senhor que nos vocacionou, não simplesmente a homens. Devemos cultivar em nossa memória e em nosso coração essa alentadora certeza.

Por sua vez, essa convicção está necessariamente atrelada à outra. Se de fato somos servos do Senhor, não somos senhores da Igreja.

 

Servir genuinamente como servo

Pedro exorta aos demais presbíteros a pastorearem não como conquistadores, senhores absolutos, mas, que a sua autoridade fosse decorrente do seu testemunho como modelos do rebanho:

 Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; 3 nem como dominadores (karakurieu/w) dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos (tu/poj) (= padrão, exemplo) do rebanho (1Pe 5.2-3).

Pedro emprega duas palavras antagônicas, estabelecendo o contraste, dizendo que o pastorado deve ser espontaneamente (e(kousi/wj = intencionalmente, deliberadamente. *1Pe 5.2; Hb 10.26), não por constrangimento (a)nagkastw=j = forçadamente, compulsoriamente. *1Pe 5.2), como se fosse um fardo, algo aflitivo.[25]

Comentando outra passagem bíblica, Calvino escreve:

O Senhor espera que seus servos sejam solícitos e prazerosos em obedecê-lo, em demonstrar alegria, agindo sem qualquer hesitação. Resumindo, Paulo quer dizer que a única maneira para se fazer justiça à sua vocação seria desempenhando sua função com um coração voluntário e de forma solícita.[26]

Contudo, isto não indica ausência de responsabilidade, nem negligência. Conscientes do nosso chamado, devemos aceitar com alegria o ônus do nosso ofício (Ver: 1Co 9.16,17; Jd 3),[27] sem, contudo, querer exercer um domínio senhorial (katakurieu/w = subjugar *Mt 20.25; Mc 10.42; At 19.16; 1Pe 5.3)[28] que seria prejudicial à igreja (1Pe 5.3), mas nos tornando modelo (tu/poj = padrão) (1Pe 5.3/Fp 3.17; 1Ts 1.7; 2Ts 3.9; 1Tm 4.12; Tt 2.7).

O modelo bíblico de liderança opõe-se totalmente à mentalidade secular: o mundo nos fala de poder e domínio. As Escrituras nos falam de humildade e serviço.[29]

Devemos ter sempre consciência de que estamos servindo a Deus por meio do rebanho que pertence a Ele – comprado com o seu próprio sangue –, e, foi Ele mesmo quem nos confiou o seu cuidado (At 20.28; 1Pe 5.2-4).

O nosso Sumo Pastor é quem por sua graça nos recompensará: “Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa da glória” (1Pe 5.4).

 

Servir com humildade

Nesse afã, a humildade é extremamente necessária mesmo em meio às provações: “Servindo ao Senhor com toda a humildade (tapeinofrosu/nh), lágrimas e provações que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram” (At 20.19).

Aqui vemos mais um ingrediente totalmente estranho ao mundo antigo. A palavra (tapeino/j) tinha originalmente, no mundo pagão, o sentido depreciativo de “estar em baixo”, indicando de modo figurado “socialmente baixo”, “pobre”, “de pouca influência social”, o escravo que assumiu uma atitude de submissão bajulante, lisonjeador etc. Obviamente, humildade não era vista como uma virtude.[30] Do mesmo modo, o composto tapeinofrosu/nh apresenta sempre uma conotação depreciativa.[31]

Portanto, para o pensamento grego, a humildade estava longe de ser considerada uma virtude. “Nos dias anteriores a Cristo a humildade sempre foi considerada como algo baixo, rasteiro, servil e não nobre. E, sem dúvida, o cristianismo a colocou justamente em primeiro plano entre todas as virtudes cristãs; é de fato, a virtude da qual dependem e provêm todas as demais virtudes”, interpreta Barclay (1907-1978).[32] A humildade é um termo cunhado pelo Cristianismo, concedendo-lhe um novo significado.

Isso é fácil de entender, se considerarmos que enquanto os gregos tinham como centro de gravidade o homem, na teologia bíblica o centro de todo o significado da existência está em Deus. Portanto, na concepção grega a modéstia era considerada coisa vergonhosa, devendo ser evitada. Já no pensamento bíblico, as palavras relacionadas à humildade descrevem “aqueles eventos que levam o homem a ter um relacionamento certo com Deus e com seu próximo”, interpreta Esser.[33]

A ideia aqui expressa, é de reconhecimento da própria fraqueza e do poder sustentador de Deus. A humildade cristã que é mãe das demais virtudes é produzida pela contemplação da majestade de Deus e, posteriormente, por uma visão adequadamente real do que somos.

 

Servir com zelo

          “Atendei (prose/xw) (= guardar, acautelar, atentar, ocupar, dar atenção) por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28).

O presbítero é alvo especial de Satanás porque ele tropeçando e caindo, é mais fácil seduzir e dispersar o rebanho. Os nossos equívocos e descaminhos podem ser fatais ao rebanho que nos foi confiado (Ml 2.8).[34]

Não é à toa que alguns anos depois, Paulo recomendaria ao jovem pastor de Éfeso: Tem cuidado (e)pe/xw) (= preservar, permanecer, olhar atentamente) de ti mesmo e da doutrina (didaskali/a). Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como aos teus ouvintes” (1Tm 4.16).

Pode parecer estranho, mas, o cuidado com o rebanho começa pelo cuidado conosco mesmo. Ao mesmo tempo, creio está envolvida a questão do estudo, preparo e ensino com simplicidade,[35] disposição sincera e submissão a Deus. Essa santa e aplicada disposição era o segredo de Esdras:

8 Esdras (…) chegou a Jerusalém, segundo a boa mão do seu Deus sobre ele.  10 Porque Esdras tinha disposto o coração para buscar  (darash) (estudar, esquadrinhar, buscar com diligência, investigar)[36] a Lei do SENHOR, e para a cumprir, e para ensinar em Israel os seus estatutos e os seus juízos. (Ed 7.8-10).

Para que eu possa preservar a doutrina, tenho que estudá-la[37] com afinco continuamente, perseverantemente (“Continua nestes deveres”) procurando ensiná-la com clareza e fidelidade.

Portanto igreja, honremos e oremos pelos nossos Presbíteros. Deus os constituiu. Nós como igreja os reconhecemos como vocacionados por Deus por meio de nosso voto, após meditação bíblica, reflexão e oração. Deus tem nos abençoando por meio de seus servos.

 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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[1]Ela ocorria no final do ano, quando eram reunidos os trabalhadores do campo. Nesses dias todos os judeus deveriam habitar em tendas de ramos: “Sete dias habitareis em tendas de ramos; todos os naturais em Israel habitarão em tendas; para que saibam as vossas gerações que eu fiz habitar os filhos de Israel em tendas, quando os tirei da terra do Egito….” (Lv 23.42-43). Esta festa era caracterizada por grande alegria: Alegrar-te-ás, na tua festa, tu, e o teu filho, e a tua filha, e o teu servo, e a tua serva, e o levita, e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva que estão dentro das tuas cidades” (Dt 16.14). Assim descreve Edersheim (1825-1889): “A mais alegre de todas as festas do povo israelita era a Festa dos Tabernáculos. Ela caía justamente num tempo do ano, em que todos os corações estavam repletos de gratidão, de contentamento e de esperança. Já as colheitas estavam guardadas nos celeiros; todos os frutos estavam também sendo recolhidos, a vindima estava feita, e a terra aguardava apenas que as ‘últimas chuvas’ amolecessem e refrescassem o chão, a fim de que nova colheita fosse preparada. (…) Ao lançar os olhos para a terra dadivosa e para os frutos que os havia enriquecido, deveriam os israelitas lembrar-se de que só pela miraculosa intervenção divina tinham eles conquistado esta pátria, cuja propriedade, entretanto, Deus sempre reclamara por direito Seu” (Alfredo Edersheim, Festas de Israel, São Paulo: União Cultural Editora, [s.d.], p. 83).

[2]“Cada um oferecerá na proporção em que possa dar, segundo a bênção que o SENHOR, seu Deus, lhe houver concedido” (Dt 16.17).

[3]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.1), p. 122-123.

[4]Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 180.

[5]A ideia básica de (למד)(lâmad) é a de treinar e educar, acostumar-se a; familiarizar-se com; aprender (Cf. Walter C. Kaiser, Lâmad: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 791; D. Muller, Discípulo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 662; A.W. Morton, Educação nos Tempos Bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger. Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 261).

[6] Cf. Mt 28.4.

[7] “A única coisa que, segundo a autoridade de Paulo, realmente merece ser denominada de conhecimento é aquela que nos instrui na confiança e no temor de Deus, ou seja, na piedade” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 6.20), p. 187). “Quem quer que deseje crescer na fé deve também ser diligente em progredir no temor do Senhor” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 25.14), p. 557).

[8] W. Mundle, Medo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 147.

[9] “Não existe incompatibilidade entre amor e obediência; pois na vida verdadeiramente santificada existe a obediência em amor e o amor obediente” (Ernest Kevan, A Lei Moral, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 9).

[10] “Se um genuíno conhecimento de Deus habita os nossos corações, seguir-se-á inevitavelmente que seremos conduzidos a reverenciá-lo e a temê-lo. Não é possível ter genuíno conhecimento de Deus exceto pelo prisma de sua majestade. É desse fator que nasce o desejo de servi-lo, e daqui sucede que toda a vida é direcionada para ele como seu supremo alvo” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.6), p. 306).

[11] João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.31), p. 71.

[12] Timothy Keller, Igreja centrada, São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 409.

[13] D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 90.

[14] John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/3, p. 484-485.

[15]John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/4, p. 304.

[16]“Com respeito às virgens, não tenho mandamento do Senhor; porém dou minha opinião, como tendo recebido do Senhor a misericórdia de ser fiel” (1Co 7.25).

[17]João Calvino, As Institutas, IV.1.5.

[18] Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 332.

[19] Veja-se: Derek Prime; Alistair Begg, Ser pastor, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 39.

[20] João Calvino, O Evangelho segundo João,  São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.15),  p. 54.

[21]Calvino em diversos lugares nos chama a atenção para o perigo da ambição desenfreada e mal dirigida. Cito algumas passagens: “Dos muitos males existentes em nossa sociedade, e particularmente na Igreja, a ambição é a mãe de todos eles” (João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 5.26), p. 173). “A ambição é mãe da inveja. E sempre que a inveja estiver no comando, ali também surgirá violência, confusões, contendas e os demais males que Paulo enumera aqui” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 6.4), p. 166). “Todo crente deve sentir desejos de manter-se afastado da falsa ambição e da busca inadequada de grandezas e honras” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 41). “É da inveja que nascem as disputas, as quais, uma vez inflamadas, se prorrompem em seitas perigosas. Além do mais, a ambição é a mãe de todos estes males” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.3), p. 100). Para o uso bíblico e bem direcionado da ambição, sugiro a leitura do livro de Dave Harvey, Resgatando a ambição, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012.

[22] D.A. Carson: In: John Piper; D.A Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 112.

[23] “Trabalhar no reino é o nosso estilo de vida” (Cornelius Plantinga Jr. O Crente no Mundo de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 111).

[24] “Uma mente cristã começa com a humildade, com o desejo de servir em vez de ser importante ou se sentir confortável” (Oliver Barclay, Mente Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 18).

[25]“Grande prudência é requerida daqueles que têm a incumbência da segurança de todos; e grande diligência, daqueles que têm o dever de manter vigilância, dia e noite, para a preservação de toda a comunidade” (João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 12.8), p. 434).

[26]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 9.17), p. 278.

[27]Nestes textos, aparecem a palavra a)na/gkh que é da mesma raiz de a)nagkastw=j.

[28]A palavra apresenta a ideia de um domínio estrangeiro imposto com o objetivo de auferir benefícios para si. (Vejam-se: W. Foerster, Katakurieu/w: In: G. Kittel, ed. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 3, 1098; H. Bietenhard, Senhor: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 431.

[29]Veja-se: John Stott, O chamado para líderes cristãos, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 29.

[30]Ver mais detalhes em: H.-H. Esser, Humildade: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 386; W. Grundmann, Tapeino/j: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 8, p. 1-5 (especialmente).

[31]Tapeinofrosu/nh (*At 20.19; Ef 4.2; Fp 2.3; Cl 2.18,23; 3.12; 1Pe 5.5). Ela é a composição de duas palavras: tapeino/j (*Mt 11.29; Lc 1.52; Rm 12.16; 2Co 7.6; 10.1; Tg 1.9; 4.6; 1Pe 5.5), que tem o sentido: a) Literal de “aplanar”, “nivelar” (Lc 3.5 (tapeino/w) (Is 40.4); b) Figurado de “humilde” (Mt 11.29) e frh/n, “pensamento”, “compreensão”, “juízo” (*1Co 14.20). Assim, tapeinofrosu/nh significa “modéstia de mente”, indicando a atitude mental despretensiosa, caracterizando-se pela modéstia. Na construção do texto, tapeinofrosu/nh apresentava sempre o sentido depreciativo de “pensar pobremente”, “ter uma mente servil” etc. (* At 20.19; Ef 4.2; Fp 2.3; Cl 2.18,23; 3.12; 1Pe 5.5). Quanto à humildade de Paulo, Vejam-se: 2Co 10.1; 11.7; 1Ts 2.6. (Ver: H.-H. Esser, Humildade: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 386-391).

[32]William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, v. 10, (Ef 4.1-3), p. 142.

[33] H.-H. Esser, Humildade: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 2, p. 387.

[34] Mas vós vos tendes desviado do caminho e, por vossa instrução (hr’AT) (torah), tendes feito tropeçar a muitos; violastes a aliança de Levi, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 2.8).

[35] “O método ordinário de Cristo de ensinar – isto é, com comum simplicidade – aqui se contrasta com o exibicionismo e brilhantismo a que os homens ambiciosos se apegam tanto” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.12), p. 128).

[36]A ideia básica do termo (vrD) (darash) é buscar com diligência (Lv 10.16). A palavra buscar além deste sentido (Lv 10.16; Sl 22.26; 24.6 [duas vezes]; Sl 53.3), pode ser traduzida por: Requerer (Dt 23.22; Sl 9.12); cuidar (Dt 11.12); investigar (Sl 10.4); se importar (Sl 10.13); esquadrinhar (Sl 10.15); procurar (Sl 77.2); considerar (Sl 111.2); empenhar-se (Sl 119.45); interessar-se (Sl 142.4).

[37]Vejam-se:  John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação,  São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 57; Gene Edward Veith, Jr. De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 33. Sobre a necessidade de estudo por parte do pastor e alguns de seus perigos, veja-se: Derek Prime; Alistair Begg, Ser pastor, São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 82-99.

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